Ritos, Danças, Emoções e Religião

Teo ria da computação Matemáticas dos Mundos

figuras rupestres
Dança. Fonte: Prancha 21 fig A (Guidon 1985)
figuras rupestres
Cerimonial. Fonte: Prancha 18 fig B (Guidon 1985)
figuras rupestres
Cerimonial. Fonte:(Magalhães 2011 p. 262)
        Quando investigamos o tempo, local e cultura em que os símbolos matemáticos foram produzidos, não é raro encontrarmos emoções ou sinais místicos. Nisto a matemática não se difere da pintura, da poesia, da música. A representação é uma maneira das pessoas elaborarem as coisas de suas vidas. Se a religiosidade habita as mentes, fazendo-se presente nos pensamentos, está também presente na matemática, como signos, símbolos e ideias inspiradoras. Referindo-se às pinturas rupestres do Piauí, Niède Guidon comenta:

“[M]esmo as figuras isoladas, humanas ou animais, têm posturas e gestos que são a representação de um movimento ou a expressão de uma emoção.” (Guidon 1985 p.10)

        Para perceber a expressão mística na matemática basta verificar que as inscrições são a produção de um grupo social, com suas identidades, características e principalmente, as angústias nas busca por explicações. Isto já estava claro para Heródoto, quando, no início da era Cristã, observou a matemática dos povos egípcios de um tempo mais antigo do que o dele próprio:

"[Os egípcios] empregam duas espécies de letras: as sagradas e as vulgares (...) muito mais religiosos que o resto dos homens." (Heródoto livro II parágrafo XXXVI XXXVII)
mulher pássaro

Ciência como Religião

símbolo de arquivo de texto
Os Deuses, assustados recuam
em busca dos ares transcendentais que os conceberam no infinito das mentes dos primeiros pensamentos.
figuras rupestres
Atitude hierárquica e solene. Fonte: Prancha 22 fig B (Guidon 1985)

        Ao longo de todos os séculos da humanidade, misticismo e matemática se confundem a ponto de não podermos determinar se é misticismo que ocorre na matemática, ou se é a matemática que ocorre no misticismo. Em tempos bem antigos, já se vê muito claramente o embricamento entre explicações matemáticas e filosóficas, como por exemplo, na Filosofia Pitagórica, em que a harmonia universal-cósmica se combina com a harmonia numérica seguindo proporções, de modo que alcançaria na pessoa a harmonia ética. A música estaria relacionada a estas proporções, sendo, para Pitágoras, um meio de purificação do corpo e da alma (Lorente 1987 p.15-16). O número quaternário tetáctris era considerado a "fonte da inexaurível natureza". A relação entre o número, música e natureza se estabelecia da seguinte forma: o universo é ordenado segundo uma afinação. A afinação é um sistema de três acordes, o de quarta, o de quinta e o de oitava, e as proporções destes três acordes encontram-se nos quatro números que formam o tetractis: 1,2,3 e 4. (Kirk & Raven & Shofield 2010 p.243). Pitágoras viveu no século VI a.C. Mais tarde, em fins do século III d.C, o romano Porfírio escreveu uma pequena biografia de Pitágoras onde comentou essa indissociabilidade matemática-misticismo:

número perfeito de pitágoras
O número quaternário, tetractis, que é desenhado em forma de pirâmide. Pitágoras considerava "perfeito" por ser a soma dos quatro primeiros: 10 = 1 + 2 + 3 + 4.
        Diz-se, de fato, que Pitágoras foi o primeiro a introduzir essas crenças na Grécia. E de tal modo atraiu a atenção de todos que, com uma única exposição que ele desenvolveu ao desembarcar na Itália, como diz Nicomacus, ele cativou mais de mil com suas palavras, a ponto de não voltarem mais para casa, mas, na companhia de seus filhos e mulheres, construíram uma grande sala para reuniões comuns e fundaram a chamada por todos Magna Grécia da Itália, recebendo leis e regulamentos para não realizar um único ato à margem delas, como se preceitos divinos estivessem envolvidos. Eles também consideraram comuns suas propriedades e a Pitágoras incluiram-no entre os deuses. Porque a única coisa que eles manipularam, entre a ciência esotérica existente na seita, atraente, de outro modo, e motivadora de contribuições abundantes concernentes ao estudo da natureza, a saber, o chamado número quaternário, o utilizaram para seus juramentos, ao invocar todos a Pitágoras como um deus e em todas as afirmações que fizeram. (Porfírio p.35-36)

        Não se pode dizer se Pitágoras criou uma religião a partir da matemática ou se inventou a matemática a partir da religião. Em tempos modernos, possivelmente, o matemático que mais mostrou a imbricação entre Deus e Matemática talvez seja Georg Cantor, o criador da Teoria dos Conjuntos. Segundo Cantor, a propriedade de ser contável é o que fundamenta a noção de conjunto. Ao dizer isso, no entanto, ele não se referia à capacidade humana de contar. Para Cantor, a sequência de números ordinais é o estoque de números na mente de Deus, e ser conjunto é ser contado por Deus (Gomide 2006 p.12). Foi desse modo, ouvindo a voz divina e seguindo suas dicas, que Cantor inventou os números transfinitos e a aritmética transfinita:

        O Transfinito, com sua abundância de [...] formas, aponta necessariamente para o Absoluto, para o "verdadeiro Infinito", a cuja magnitude nada pode ser adicionado ou subtraído e que, portanto, deve ser visto como um máximo absoluto. Este ultrapassa, por assim dizer, o poder humano de compreensão, e não permite uma determinação matemática. (Cantor 1994 p. 105 apud Gomide 2006 p.92).
retrato de Cantor
Georg Cantor. Fonte: wiki.

Referências

CANTOR, G. On the Theory of Transfinite Numbers. Correspondence of Georg Cantor and J. B. Cardinal Franzelin (1885-1886), in: FIDELIO, vol III, n. 3, 1994. Disponível aqui
GOMIDE, Walter. O infinito contado por Deus: uma interpretação Dedekindiana do conceito de número ordinal transfinito de Cantor. Rio de Janeiro : PUC, Departamento de Filosofia, 2006. Disponível aqui.
GUIDON, Niède. A arte pré-histórica de São Raimundo No­nato: síntese de dez anos de pesquisa. Clio, série Arqueoló­gica, v.2, p.3-90, 1985.
HERÓDOTO (484 A.C. - 425 A.C.), Histórias (Livros 1 a 9) Broca, J. B. (trad.), eBooks Brasil, 2006. Disponível aqui.
KIRK, G. S., RAVEN, J. E. SHOFIELD, M. Os Filósofos Pré-Socráticos. Fonseca, C. A. L., Barbosa, R. B. (tradutor) Lisboa: Fundação Calouste Gulbekinan. 2010. Disponível aqui.
LORENTE, Miguel Periago. Introdução de A Vida de Pitágoras, in: Lorente, Miguel Periago (trad). Porfírio, A Vida de Pitágoras. Argonáuticas Órficas. Imnos Órficos. Editora Gredos, 1987. Madrid.
MAGALHÃES, Sônia Maria Campelo, Arte rupestre do centro-norte do Piauí: indícios de narrativas icônicas. Tese de Doutrado. Programa de Pós-Graduação em História, UFF, 2006. Disponível aqui.
PROFÍRIO, A Vida de Pitágoras, in: Lorente, Miguel Periago (trad). Porfírio, A Vida de Pitágoras. Argonáuticas Órficas. Imnos Órficos. Editora Gredos, 1987. Madrid.
Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia
UFRJ
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